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Hack, política e cultura livre

Creaitive Commons

Uma comunidade cada vez maior, que dia a dia cutuca o calcanhar de Aquiles do mundo da acumulação capitalista


Por Jeferson Assumção

Simbolo Copy Letf
Copy Left

Acho muito interessantes dois princípios da cultura hacker*. O primeiro é o da colaboração, às vezes anônima, em relação a um objetivo comum. Em diversas ocasiões (e certamente isso está acontecendo neste momento) vinte ou mais meninos e meninas espalhados no mundo todo e trabalhando sob um mesmo código fazem um game, uma tradução ou um programa de computador em semanas, de maneira lúdica e participativa. O resultado é partilhado por todos e utilizado, muitas vezes por milhares (até milhões) de pessoas, as quais eles sequer têm ideia de quem existam.

Software Livre

O segundo princípio é o seguinte: o que já está pronto, não faremos de novo. Copiaremos. Usaremos esta ferramenta virtual para produzir coisas novas. Assim, frente a um problema – um software para ajudar deficientes visuais a ouvirem livros, por exemplo – o primeiro que fazem é procurar em listas de correio ou num buscador de internet se um programa desses existe ou se está sendo desenvolvido em algum ponto do planeta. Se existe, ótimo: ´bora copiar, usar e testamos se funciona realmente.

Se não funciona bem, o que podemos fazer para melhorá-lo? E só se ele não existe é que um praticante da filosofia hacker (hack são truques, inversões e sacadas novas que podem ajudar a resolver um problema) vai começar algo do zero. Às vezes passam meses, até anos, mergulhados em um gigante sistema de símbolos de uma cabala virtual indecifrável para nós mortais, a tricotarem um mundo absolutamente real, de ferramentas que podem ser utilizadas com nossos dedos e nossas mentes. E todo este esforço, de graça.

Mas o que eles ganham com isso, perguntariam o cético, o utilitarista e o pragmático? Por que se dedicam a fazer uma coisa dessas que não lhes dá nada em troca? Nada? Depende de que valores se está falando?

Este exército cada vez maior, que dia a dia cutuca o calcanhar de Aquiles do mundo da acumulação capitalista (por não estar nem aí para os seus valores), o faz pela vontade de colaborar, pela alegria de ver pronto, pela fruição de seu próprio espírito vivendo à margem da alienação do trabalho mercantilizado ou, finalmente, porque tudo isso, além do mais, dá prazer e vontade de continuar fazendo. Como um jogo do homo-ludens-sapiens-demens que somos quando não diminuímos o fim e o princípio de nós mesmos.

E a fonte desses sentimentos é o oxigênio da criatividade, libertária e bela. Por baixo de tudo isso está uma visão de mundo com princípios arejados e arejadores e que, desde que encontrou condições tecnológicas para tal, se desenvolve à margem dos viciados códigos de um mundo real cada vez mais opaco e empobrecido.

Muitos desses hacktivistas o que querem é simplesmente mostrar para os amigos seus feitos de ativistas românticos. E por isso, constituem-se em uma geração de pessoas com valores muitas vezes (mas não necessariamente) à margem da cultura de massa e da violência subjetiva, simbólica, dos grandes meios de comunicação que falam com todo mundo, mas não com eles. Esses, falam mais entre si. Em rede.

Uma imensa parcela deles não tem televisão em casa, nem terá, porque acha este um equipamento eletrônico dinossáurico, muito pouco interativo. Softwares normais, proprietários, idem. Afinal, não os deixam mexer e fazer as coisas de maneira diferente, com sua criatividade e visão de mundo. O que quereriam eles com isso? Pois acredite: tem aí fora uma massa crescente de pessoas que passam a se relacionar com o mundo a partir de outros valores, concretíssimos valores vividos e que vêm deixando para trás, no mínimo no ridículo, aqueles que tanto enfeiam o planeta com sua alma pesada, cansada de tanto acumular e nada colaborar.

E eles estão na periferia. Não apenas nos Estados Unidos ou na Inglaterra, mas na Espanha, no Brasil, na Índia, países em que o uso de plataformas livres vem se desenvolvendo aceleradamente. Hoje, por exemplo, em milhares de cidades do Brasil inteiro, qualquer criança que chegar na Biblioteca Pública, e usar os computadores do telecentro estará entrando mesmo sem saber no mundo do software livre. Querendo ir atrás, poderá fazer dessa uma porta de saída para situações de vulnerabilidade social às vezes extrema, porque nos softwares livres as portas não estão cadeadas por códigos-fonte fechados. Daí a necessidade de se trabalhar com o conceito não de inclusão digital (inclusão como passivos consumidores de softwares proprietários), mas com o conceito de cultura digital, em que os usuários são participantes ativos da cultura livre.

O grande hack da cultura digital está em sua noção de propriedade privada. Como no mundo virtual, não há restrição material para a posse de um objeto (que pode ser copiado indefinidamente), na cultura colaborativa se fala – com um pouco de ironia, é claro – é da radicalização da propriedade privada, em vez de sua abolição. O mesmo com a liberdade…

E a cultura colaborativa começa a descer do mundo hakcer para o mundo real. Cada vez mais, em diferentes áreas, conceitos como de copyleft (o contrário de copyright, restritivo) e ação cidadã em rede são aplicados a outros cantos do conhecer e do fazer. Aqui no Rio Grande do Sul, desde o 1º Fórum Social Mundial até o descentralizado, em 2010, temos o privilégio de conhecer várias dessas alternativas concretas em curso. Pra ficar em alguns: Zaira Machado e Antonio Martins (no jornalismo), Senhor F, Éverton Rodrigues, Teatro Mágico, GOG e as Bandas Independentes Locais – BIL (no mundo da música independente e da Música para Baixar – MPB) enfim…

Mas também nas sementes, na agricultura orgânica e no mundo jurídico (sim, há hacks jurídicos, como os do advogado espanhol Javier de la Cueva, em termos de propriedade intelectual), outros hacks começam a aparecer. É a aplicação da “regra de três” de Vicente Jurado (ourproject.org), programador e ativista ecológico espanhol. Passagem do mundo virtual para o concreto: se para softwares privados temos softwares livres, para sementes privadas temos sementes livres, para outros problemas, temos outros X, também: enfim este é o mundo das alternativas que começa a se formar.

E com relação à arte? À produção, distribuição e fruição artística? Se tem como copiar e distribuir gratuitamente, por que não fazê-lo? Só se o autor não o permitir, usando uma licença que proíba a troca (o copyright restritivo), para acumular sabe-se lá o que, em tempos de falência múltipla das indústrias culturais tradicionais. Gravadoras e empresas de cinema estão indo para o beleléu há anos, e só quem não viu isso é que segue alimentando o cadáver, confundindo o copyright (cedência dos direito aos donos dos meios de reprodução), com direito autoral (direito moral do autor).

Mas, e aí? É possível o artista viver de copyleft? O copyleft faz mal à cultura? O copyleft acaba com o direito moral do autor em relação a sua obra? Claro que não. Dos cinco pontos elencados no Manual de Copyleft (que o leitor pode baixar de graça na www.traficantes.net, da editora madrilenha Traficantes de Sueños), um seria suficiente para esclarecer de vez a situação.

Trata-se do chamado “efeito de ser conhecido”, que se amplia vigorosamente com o uso de licenças livres na comparação com o direito de cópia das majors, que restringe a circulação das obras intelectuais etc. Se se quer ser colaborativo (e ainda ganhar uma grana, muitas vezes a única para sobreviver), pode-se usar licenças para este fim, como creative commons.

E continuar sendo o dono de sua obra intelectual sem precisar vendê-la por míseros trocados à moribunda  indústria tradicional – trocados que só são pagos em dia aos mais famosos, pois o restante dos escritores e músicos menos conhecidos vive mais é de fontes indiretas, como palestras e shows.

Dentro de um último grupo, há os ainda mais radicais. São aqueles que produzem colaborativamente e distribuem seus produtos de maneira gratuita porque querem – simplesmente porque querem –  ver algumas rachaduras se formando no falido sistema de interpretação do mundo atual. Recolocam a utopia, num outro patamar, pois sabem que assim como a ponta do discurso da esperança é a ingenuidade, a ponta do ceticismo é o cinismo. E o cinismo é imobilizador. De minha parte, também prefiro o primeiro ao segundo.

* Hackers são programadores e desenvolvedores de softwares livres se diferenciam dos crackers, os que usam seu conhecimento em informática para quebrar e não para construir colaborativamente.

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Pequeno guia sobre o Software Livre >3

Último capítulo do ensaio: como as corporações e governos invadem a privacidade e colocam todas as pessoas sob vigilância. E como o Software Livre pode combater isso

George Orwell
A distopia de George Orwell em seu “1984”, publicada em 1949, revelou-se profética

Último capítulo do ensaio: como as corporações, com autorização dos governos, invadem a privacidade e colocam todas as pessoas sob vigilância. E como o Software Livre pode combater esse controle

Por Fátima Conti

Esta é a terceira de três partes do Pequeno Guia do Software Livre, de Fátima Conti.

Parte 3 de 3

Resumo

Um pressuposto deste ensaio didático: inclusão digital deve significar, antes de tudo, melhorar as condições de vida de uma comunidade com ajuda da tecnologia. Então, a informática e a internet devem ser ferramentas de libertação do indivíduo, de autonomia do cidadão, que deve saber usar o equipamento e os programas tanto em benefício próprio como coletivo.

Entretanto, vivemos em uma sociedade na qual leis de diversos países protegem monopólios, como copyright e patentes, inibindo:

  • o uso de bens culturais, como livros, músicas, quadros…, que hoje são arquivos e programas computacionais;
  • a criatividade;
  • a liberdade de expressão;
  • o acesso à informação e ao conhecimento.

O desconhecimento e o desleixo das pessoas quanto ao uso de seus equipamentos computacionais e programas permitiu, sob o ambiente da internet, a implantação de um modelo de negócios de vigilância contínua, que tornou usual o envio de propagandas personalizadas. Mas não se trata só de um desleixo pessoal: equipamentos, sistemas e programas, especialmente os privativos (proprietários), são destinados ao controle e vigilância de seus usuários.

Mais ainda: o ensino no Brasil, inclusive na universidade, é defensor e perpetuador desse sistema e seus monopólios, grandes corporações que controlam o mundo e que detêm todo o poder, seja financeiro, seja político.

Neste ensaio mostra-se um panorama desta situação que opõe o desejo da inclusão digital ao interesse  e controle dos monopólios, estratégias e atitudes possíveis para enfrentá-los e as possibilidades abertas pelo uso dos softwares livres.

Privacidade

As pessoas tendem a menosprezar a privacidade até que a percam.

Argumentos como “não tenho nada a esconder” são comuns, mas são verdadeiros?

Pense. Você gostaria de

  • estar sob vigilância constante?
  • ter que se justificar permanentemente diante de algum supervisor?

Como ficariam a sua individualidade e autonomia?

Desconhecimento/desleixo – os cookies

Inclusão digital deve significar, antes de tudo, melhorar as condições de vida de uma comunidade com ajuda da tecnologia.

A informática e a internet devem ser ferramentas de libertação do indivíduo, de autonomia do cidadão, que deve saber usar o equipamento e os programas, tanto em benefício próprio como coletivo.

Mas, atualmente, a maioria das pessoas não cuida de seu ambiente de computação. E o conhece pouco.

Para entendermos melhor parte do que acontece quando navegamos novamente é necessário saber um pouquinho de informática.

Um “cookie”, no âmbito do protocolo de comunicação HTTP, aquele que é usado na Internet, é um pequeno pacote de dados enviados por um site para o navegador, quando o usuário acessa um site. Cada vez que o usuário visita o site novamente, o navegador envia o cookie de volta para o servidor com as informações sobre as preferências e o comportamento do usuário, incluindo informações pessoais, como seu nome, endereço, e-mail, telefone, senhas gravadas; preferências do usuário, como idioma e tamanho da fonte; itens adicionados no carrinho de compras em uma loja online; links que foram clicados anteriormente…

Portanto, os cookies são utilizados para realizar cadastros de informática, monitorar sessões e memorizar informações referentes às atividades dos usuários que acessam um site e podem conter um código de identificação único que permite acompanhar a navegação do usuário durante sua visita, com finalidades estatísticas ou publicitárias.

Existem cookies com características e funções variadas, que podem permanecer no computador ou dispositivo móvel do usuário por períodos de tempo diferentes:

  • cookies de sessões, que são cancelados, quando se fecha o navegador e
  • cookies persistentes, que ficam no dispositivo do usuário até cumprir um prazo de validade.

Conforme a legislação em vigor em cada país quanto ao uso de cookies, nem sempre é necessário que o usuário expresse seu consentimento sobre o envio e a venda de suas informações. Como isso acontecer? Há cookies técnicos, tidos como essenciais, indispensáveis para o funcionamento do site ou para a realização de operações requeridas pelo usuário. Com o correr dos anos, entendeu-se que não é preciso o expresso consentimento para tais cookies, conhecidos como “técnicos”, ou seja, aqueles usados exclusivamente para a transmissão de informações em uma rede de comunicação eletrônica, ou que sejam necessários para oferecer um serviço requerido pelo usuário.

São basicamente três tipos de cookies técnicos:

  • de análise, quando utilizados diretamente pelo administrador do site para coletar informações, de forma agregada sobre o número de usuários e de que forma eles visitam o site;
  • de navegação ou de sessão, para autenticação, realização de compras …)
  • de funcionalidade, que permitem ao usuário navegar em função de uma série de critérios selecionados, como, idioma e os produtos selecionados para a compra. O objetivo é melhorar o serviço oferecido.

Muitos sites usam todos os tipos de cookies. A questão é que estas informações são utilizadas de maneira compartilhada entre os sites, ou seja, as informações podem ser vendidas para terceiros, outras pessoas, outros sites, sem que o internauta tenha consentido ou sequer saiba disso. Eles entram no pacote de todo processo de reorganização societária, como fusões, aquisições e vendas de todos os ativos e outras, sem que o as partes assumam responsabilidade por cookies de sites de terceiros.

Assim, quando visitamos um site podemos estar espalhando nossos dados para diversos sites, que podem usá-los sem nosso conhecimento, sem nosso consentimento e para finalidades que absolutamente desconhecemos.

Entretanto, apesar disso, queremos acessar a internet, em qualquer lugar e a partir de qualquer equipamento, e ver

  • mensagens de e-mail, redes sociais
  • compromissos da agenda
  • nossas fotos e arquivos…

Para fazer isso sem espalhar informações sobre nós exige-se bastante conhecimento e pode ser difícil e demorado para um “leigo”configurar um equipamento e programas para permitir essas atividades. Por desconhecimento ou desleixo, é muito mais fácil deixar que “um site especial”,

  • mantenha nossos dados,
  • cuide da configuração de nossos equipamentos,
  • gerencie todos os programas instalados,
  • armazene nossos arquivos.

Assim, entregamos nossos dados para uma série de empresas, especialmente Microsoft, Apple, Facebook e Google, para termos acesso aos nossos dados e arquivos.

Mas nós não somos clientes delas. Não pagamos pelos serviços prestados.

Somos produtos, que essas empresas vendem para seus verdadeiros clientes: aqueles para quem enviam nossos dados. E elas podem usá-los como quiserem.

Por isso é importante entender; para essas empresas,  quem é o cliente?  E por que é?

Além disso, muitas opções de programas conhecidos permitem rastreamento. Eles estão presentes, por exemplo em qualquer página acessada por você na qual houve um botão:

  • Like do Facebook (em qualquer site, esteja você logado ou não no Facebook), do Google Plus G+ ou que monitore o tráfego com Google Analytics;
  • Jogos que coletem dados de sua localização mesmo quando não se está jogando. Ex: Angry Birds.

Ao acessar e/ou clicar, um aviso será enviado para a empresa, com uma série de informações sobre você e sem consultar ou aviso prévio.

O que é importante saber?

Há extensões que podem ser instaladas no navegador para identificar e impedir que essas informações sejam enviadas.

Se desejar ver quem está rastreando você, instale um dos plugins de navegador que monitoram cookies:

  • Lightbeam – é uma extensão para o navegador, que exibe quais sites estão sendo informados sobre a navegação. Para saber mais clique aqui.
  • Ghostery – funciona em vários navegadores e informa tudo o que ocorre de maneira invisível quando se acessa um site, tanto para o usuário como para as empresas. Para mais detalhes, clique aqui.
  • Privacy Badger – funciona de modo semelhante ao Ghostery, e é software livre.

Assista este vídeo sobre rastreamento. É de 2013, mas mantém sua atualidade sobre como funciona o sistema:

Ghostery: Knowledge + Control = Privacy

Vigilância

O IP é um número único, que identifica cada equipamento na rede. É usado pelos computadores para se comunicarem por meio da cópia de arquivos, pois em cada momento, cada equipamento tem um número único e exclusivo de IP, que é fácil de identificar e, portanto, causa o rastro digital.

Se um IP for vinculado a uma pessoa, a um CPF, a uma identidade civil, possibilita uma vigilância contínua, que permite monitorar cada clique e controlar a vida do indivíduo.

Assim, tudo o que aquele IP faz pode ser rastreado por empresas. E por autoridades.

Em termos comerciais, rapidamente, surgiu um modelo de negócios para possibilitar o envio de propagandas “personalizadas” para cada IP.

Percebe-se que a situação está ficando cada vez mais grave, pois, na Internet das coisas, computadores estão sendo embutidos na maioria dos equipamentos, como:

  • celular e telefones em geral
  • aparelho de TV
  • carro
  • forno
  • condicionador de ar
  • dispositivos médico que coletam e exportam dados como sinais vitais, e atividade cerebral…

Cada dispositivo produz dados sobre sua atividade, localização com quem você dialoga, o conteúdo desses diálogos, sobre suas pesquisaa. Mais: qual é o seu pulso, a frequência dos seus batimentos cardíacos…

Ou seja, agora somos rastreáveis por vários IPs. E várias empresas coletam, armazenam e analisam esses dados, em geral sem nosso conhecimento e, também, sem nosso consentimento. Com base nesses dados, elas obtêm conclusões sobre nós, das quais poderíamos discordar ou objetar, e que podem afetar nossas vidas de modo profundo. Por exemplo: você pode não querer que as pessoas saibam que você está fazendo um tratamento médico, mas essas empresas saberão.

Portanto, vigilância é o modelo de negócios estabelecido na internet. E funciona por dois motivos, as pessoas gostam de

  • coisas gratuitas e
  • conveniência

E não existe possibilidade de escolha: se você se concorda com a vigilância não pode usar um serviço. É vigilância ou nada.

Paralelamente, a vigilância é quase invisível, e as pessoas não a percebem, e dificilmente pensam sobre esses processos.

Tudo isso é resultado de duas tendências tecnológicas que examinaremos a seguir:

Computação nas nuvens

Nossos dados são propriedade de diferentes empresas e não são armazenados e processados em nossos computadores. Ficam em servidores, que podem estar armazenados em equipamentos em um país cujas leis de proteção de dados sejam menos que rigorosas.

Essas empresas dizem que tipos de dados nós podemos armazenar em seus sistemas e podem deletar nossas contas se violamos os seus termos.

Elas controlam nossos dados e usam-nos, tanto o conteúdo como os metadados, para qualquer objetivo lucrativo que tenham. Mais: repassam nossos dados em execuções legais sem nosso conhecimento ou consentimento.

E nós ignoramos  sequer quem são os provedores de armazenamento para os quais essas empresas terceirizam . Se qualquer dessas empresas der ao governo acesso aos dados, nada poderemos fazer. Mesmo que alguém decida abandonar esses serviços, provavelmente não conseguirá obter os dados de volta.

Dispositivos controlados pelas empresas vendedoras

Entre eles os iPhones, iPads, smartphones com Android, Kindles, ChromeBooks e similares.

Tais equipamentos não podem ser estudados e modificados. Só utilizados de acordo com a opção das empresas e não dos nossos desejos. Não controlamos o nosso ambiente de computação. Cedemos o controle sobre o que podemos ver, o que podemos fazer e o que podemos usar.

Pode-se lembrar que a Amazon deletou dos Kindles de usuários algumas edições, por eles compradas, do livro 1984, de George Orwell, devido a um problema de direitos autorais. Simplesmente deletou.

O pior é os próprios usuários concordam com os termos, que raramente leem, ao escolher entrar em uma dessas relação draconiana, devido à enorme conveniência que obtêm.

Mas, escolhem, de fato?

É importante lembrar que essas são as ferramentas da vida moderna. Não saber usá-las não é uma escolha viável para a maioria das pessoas na vida contemporânea.

Atualmente é razoável dizer: se você não quer ter seus dados coletados, não tenha um telefone móvel. não use e-mail, não compre pela internet, não use rede social?

Um estudante pode passar pela escola sem saber fazer uma pesquisa na internet? Como conseguirá um emprego depois?

Ou seja, essas ferramentas são necessárias para a carreira profissional e a vida social.

Escolher entre provedores não é uma escolha entre vigilância e não vigilância. É apenas uma escolha de qual empresa será a espiã.

Dados são poder e quem tem nossos dados tem poder sobre nós.

Isso só pode mudar se houver leis para nos proteger e proteger nossos dados desse tipo de relação.

No entanto, com as mudanças nas práticas empresariais que invadem a privacidade de modo brutal com apoio ou conivência dos governos, as leis de proteção fracassaram e hoje na Internet estamos sob vigilância em massa e sem precedentes.

Cabe uma pergunta: Como fica a privacidade?

Vantagens do software livre

Software Livre significa mais do que somente estar disponível a custo zero (ou um pouco mais que isso). As pessoas devem ser livres para usar os programas como desejarem, de todos os modos que sejam “socialmente úteis”.

O Software Livre representa outro modelo de internet, pensado política, social e empresarialmente, e tem  muitas vantagens técnicas.

Relacionamos seis delas que consideramos as mais relevantes, para encerrar este ensaio:

Resposta rápida para possíveis falhas

Como o código fonte do Software Livre está disponível para qualquer pessoa, em qualquer momento e em qualquer parte do mundo, é possível copiar, modificar, consertar e usar como desejar.

Lançam-se versões ainda instáveis do programa. Muitas pessoas podem auditar o código e procurar falhas de implementação, ou seja, o código é livre para ser estudado e modificado pela comunidade, com muitas cabeças pensando e várias soluções sendo testadas (brainstorm).

Se houver erros ou algo nocivo ao usuário no software, a própria comunidade

  • apontará o problema,
  • modificará o código e
  • avisará em qual versão foi removido o erro ou um programa invasor.

Assim, tudo vai sendo auditado e testado, até se chegar a um código estável,

  • sem erros, que funcione bem, cumprindo o objetivo,
  • pronto para ser usado pelo público em geral,
  • em equipamentos de diferentes marcas e modelos.
  • sem invasores, sem backdoors, sempre avisando o usuário sobre o que está acontecendo, com muito menor possibilidade de vigilância.

E isso é muito diferente de programas proprietários, nos quais devemos confiar cegamente e ingenuamente acreditar que as empresas estão consertando problemas e não utilizando /vendendo nossos dados.

Portanto, um programa livre tem

  • alta qualidade técnica, já que é submetido a um processo de desenvolvimento, semelhante à seleção natural: é testado por muitas pessoas em diferentes hardwares. As boas soluções sobrevivem e as ruins perecem;
  • correção rápida de problemas que eventualmente aconteçam. Assim, em um curto período de tempo, o sistema fica mais seguro e estável.

Proteção contra vigilância

Uma empresa pode tornar um programa malicioso de três maneiras:

  • coletar dados e enviar para quem os comprou,
  • abrir uma porta dos fundos ( backdoor ) e
  • impor restrições de uso aos formatos.

Os programas da Microsoft, a Amazon e  as redes sociais centralizadas fazem as três ações.

A maioria dos dispositivos móveis tem uma backdoor e se torna um aparelho de escuta.

O software livre não faz essas ações. E pode corrigi-las se as encontrar.

Ao contrário disso, quando é possível verificar o código fonte (Software Livre) pode-se ver se informações estão sendo enviadas para algum site ou se há programas invasores embutidos e os programas admitem correção.

Favorecimento à criação, à inovação

O Software Livre é ideal para ser utilizado em instituições de ensino, pois favorece uma educação criadora, em que os alunos são incentivados a estudar e a modificar programas existentes, preparando-se para criar novos softwares.

Queremos estudantes que possam criar ou que apenas possam usar e repetir? Que ensino é esse que só forma repetidores e meros utilizadores de produtos prontos?

Os alunos deixam de ser usuários comuns, que, meramente, aprendem a utilizar, copiar algum programa e passam a não ser submissos aos monopólios e ao consumismo. Podem começar a construir o futuro, através da criação/inovação.

Usar Software Livre é uma das melhores providências que podemos tomar para estimular a educação criadora.

Qualquer pessoa pode contribuir

Quando os programas são desenvolvidos, o trabalho de outras pessoas pode ser reutilizado e continuado, inclusive com sugestões de não programadores.

Assim, o desenvolvimento do software pode ser eficiente e rápido, pois é possível pode-se copiar e modificar o código do programa a qualquer momento, de qualquer lugar, testando as ideias que aparecerem. Sem pedir autorizações, sem aguardar burocracias e sem qualquer custo.

A única preocupação ocorre ao distribuir o programa modificado. Deve-se respeitar a licença. É importante saber que, para tornar a autorização de uso bem explicitada foram criados vários tipos de licença pela Creative commons.

O programador tem mais liberdade

O programador pode desenvolver o que desejar fazer, quando e quanto puder e quiser, sem necessidade de pedir autorização, sem infringir nenhuma licença. O programador que se esforçar em seus estudos e práticas e desenvolver algo bom rapidamente ganha confiança e pode ser chamado para outros projetos.

Incentivo às pequenas e médias empresas locais

Qualquer empresa pode oferecer serviços e começar a trabalhar com produtos livres com total liberdade. Poderá instalar programas e treinar pessoal, por exemplo. Sem precisar pagar para uma matriz, a empresa local pode investir mais em si mesma e talvez até começar a desenvolver códigos, junto com a empresa criadora.

Referências

Como vendemos nossas almas —e mais— aos gigantes da internet

Afinal, o que é o cibercrime? http://www.dicas-l.com.br/interessa/interessa_20080814.php

Bruce Schneier – http://bit.ly/1KWGjBM

Cordel: Do livre e do Grátis – Galdino, Cárlisson

http://www.carlissongaldino.com.br/cordel/do-livre-e-do-gr%C3%A1tis (@carlisson )

Richard Matthew Stallman http://pt.wikipedia.org/wiki/Richard_Matthew_Stallman

Software Livre: Histórico, Definição, Importância

http://www.ufpa.br/dicas/linux/li-lisol.htm

Copyright: Para sempre menos um dia

http://www.youtube.com/watch?v=ejbrUST72Kw

Estão me vigiando?

Sobre censura, cópia, privacidade, vigilantismo… (Copiar não é roubar)

https://faconti.tumblr.com/post/82221098561

Sobre Aaron Swartz “o menino da internet”

O menino da Internet – A história de #AaronSwartz

https://www.libreflix.org/assistir/the-internets-own-boy

Sobre #AaronSwartz

https://pt.wikipedia.org/wiki/Aaron_Swartz

Arquivos disponibilizados

ODP, comprimido em formato ZIP – http://www.ufpa.br/dicas/zip/SL-impo1.odp.zip

PDF  http://www.ufpa.br/dicas/pdf/SL-impo1.odp.pdf

PDF http://www.ufpa.br/dicas/pdf/SL-impo1.odt.pdf

Página – https://faconti.tumblr.com/post/161735171808

Sugestões de leitura / visualização

Vídeos:

Palestra de Richard Stallman no TEDx Geneva 2014

https://www.youtube.com/watch?v=deiZ7v6g0hg (legendada em português por Bruno Buys)

Textos –

Arquivos – Formatos

http://www.ufpa.br/dicas/progra/arq-exte.htm

Padrões abertos de documentação

http://www.ufpa.br/dicas/open/oo-odf1.htm

Software Livre – Licenças

http://www.ufpa.br/dicas/linux/li-lilic.htm

O sistema GNU-Linux

http://www.ufpa.br/dicas/linux/li-li01.htm

Informações adicionais

Fátima Conti

fconti at gmail.com – faconti ( quitter, twitter ) – Fa Conti ( diaspora, facebook )

Site: http://www.ufpa.br/dicas – Blog: http://faconti.tumblr.com

Resumo, com opções de download para os arquivos utilizados:

Página: https://faconti.tumblr.com/post/161735171808

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Pequeno guia sobre o Software Livre >1

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Publicado Originalmente no Outras Palavras Comunicação Compartilhada e Pós-capitalismo

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Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias Terrenas, detalhe (1490/1510)


Uma disputa crucial marca o século 21. A circulação de ideias é um direito de todos ou deve se dar segundo a lógica dos mercados? Um ensaio sobre esta encruzilhada — com ênfase no campo crucial da informática

Por Fátima Conti  | Imagem: Hieronymus BoschO Jardim das Delícias Terrenas, detalhe (1490/1510)

Parte 1 de 3

Resumo

Um pressuposto deste ensaio didático: inclusão digital deve significar, antes de tudo, melhorar as condições de vida de uma comunidade com ajuda da tecnologia. Então, a informática e a internet devem ser ferramentas de libertação do indivíduo, de autonomia do cidadão, que deve saber usar o equipamento e os programas tanto em benefício próprio como coletivo.

Entretanto, vivemos em uma sociedade na qual leis de diversos países protegem monopólios, como copyright e patentes, inibindo:

  • o uso de bens culturais, como livros, músicas, quadros…, que hoje são arquivos e programas computacionais;
  • a criatividade;
  • a liberdade de expressão;
  • o acesso à informação e ao conhecimento.

O desconhecimento e o desleixo das pessoas quanto ao uso de seus equipamentos computacionais e programas permitiu, sob o ambiente da internet, a implantação de um modelo de negócios de vigilância contínua, que tornou usual o envio de propagandas personalizadas. Mas não se trata só de um desleixo pessoal: equipamentos, sistemas e programas, especialmente os privativos (proprietários), são destinados ao controle e vigilância de seus usuários.


Mais ainda: o ensino no Brasil, inclusive na universidade, é defensor e perpetuador desse sistema e seus monopólios, grandes corporações que controlam o mundo e que detém todo o poder, seja financeiro, seja político.

Neste ensaio mostra-se um panorama desta situação que opõe o desejo da inclusão digital ao interesse  e controle dos monopólios, estratégias e atitudes possíveis para enfrentá-los e as possibilidades abertas pelo uso dos softwares livres.

Software Livre – O início

Para entender o que é Software Livre, deve-se pensar em “liberdade de expressão”, não em “almoço grátis”. Software Livre é uma questão de liberdade, não de preço.

Essa ideia, que hoje se espalha por todo o mundo, atingindo outros tipos de conteúdos, como os artísticos, literários, musicais, científicos e jornalísticos, é parte do movimento pela cultura livre, “free culture”, que abrange todos os produtos culturais, como textos, imagens, vídeos (livros, fotografias, pinturas, e filmes) pregando a reprodução e modificação livres por e para qualquer usuário.

Entretanto, no início dos anos 1980, quase todos os programas existentes passaram a ser privativos (proprietários), ou seja, o conceito de propriedade invadiu a área de tecnologia. E, o que é pior, confundiu a propriedade de coisas abstratas com as concretas.

Para entender o que ocorreu é necessário saber um pouquinho de informática.

código fonte é o próprio programa, ou seja, é uma estrutura lógica com uma sequência de comandos, em alguma linguagem de programação, criada por uma ou mais pessoas.

Ele é diferente do código binário, aquilo que o equipamento efetivamente lê, ou seja, uma enorme sequência de zeros e uns, que, para nós, é incompreensível.

Assim, quando se diz que o código de um programa é livre, não se está falando de preços, mas que o código fonte está disponível, que outros desenvolvedores poderão executar, conhecer, estudar, adaptar, corrigir, copiar, modificar, melhorar e redistribuir o código do programa.

O principal expoente desse movimento é o programador Richard Mathew Stallman, que trabalhava no laboratório de inteligência artificial do MIT no início da década de 1980. Ele abandonou seu emprego ao constatar que as licenças de direitos autorais que negavam acesso ao código fonte dos programas (para impedir cópias) também restringiam liberdades que os programadores sempre haviam usufruído, antes do mundo da informática ser dominado por grandes empresas: a liberdade de executar os programas sem restrições, a liberdade de conhecer e modificar os programas e a liberdade de redistribuir esses programas na forma original ou modificada entre os amigos e a comunidade.

Stallman iniciou um movimento para produzir um sistema operacional e programas que resguardassem aquelas liberdades que os programadores conheciam antes das restrições empresariais. Esta iniciativa resultou na criação da Free Software Foundation (FSF), Fundação para o Software Livre, que foi fundamentada juridicamente com a redação da GNU General Public License (Licença Pública Geral do GNU). O GNU é um sistema operacional totalmente composto por software livre – isto é, que respeita a liberdade dos usuários. Foi concebido por Stallman em 1983,

A filosofia da FSF repousa no entendimento que aquele que produz a informação recebe muito mais informação do que cria. Isso se torna óbvio quando se constata que cada programador cria algumas linhas em cima de milhões de linhas de código que outros já produziram antes. A Fundação tem como objetivo não só romper monopólios, mas fazê-lo por meio de um empreendimento coletivo e, em grande parte, voluntário.

Software Livre e Open Source

Em resumo, o software livre é tanto uma filosofia como um modelo de licenciamento. O software livre não é software grátis, pois preço não é a questão. A liberdade é o que importa.

O conceito “código aberto” (em inglês “Open Source”) é outra coisa. Foi criado pela OSI (Open Source Initiative). Trata-se de software que produzido colaborativamente, mas que produz programas cujo código não fica aberto.

Portanto, o Software Livre é um movimento pela liberdade dos usuários, como uma questão de justiça. Já o software livre é um caminho para uma nova sociedade, pois é profundamente transformador. Não só promove as liberdades, a criação, a inovação, mas estabelece condições de igualdade para a produção: o código deixa de ser um patrimônio exclusivo de poucos e passa a ser algo coletivo, a partir do qual todos podem produzir.

O conceito “Código Aberto” é utilizado pela OSI sob um ponto de vista técnico, bastante pragmático, que evita questões éticas e ressalta não as liberdades oferecidas pela licença, mas a alta qualidade técnica do software. O pessoal do código aberto, portanto, praticamente não se interessa por mudanças sociais e se preocupa com venda e preço, e não com liberdade.

É importante lembrar que o patrimônio de uma empresa livre não é um código sobre o qual mantenha controle. É a capacidade intelectual de seus funcionários, o bom atendimento que oferece aos seus clientes e a qualidade de seu trabalho.

Assim, há pontos comuns entre Software Livre e Open Source, o que possibilita muita confusão e, até, trabalho conjunto em muitos projetos. Algumas grandes empresas como IBM, HP, Intel e Dell têm investido no software de código aberto, juntando esforços para a criação do Open Source Development Lab (OSDL), instituição destinada à criação de tecnologias de código aberto.

O controle do usuário – a dependência

Assim, Software Livre trata de liberdade.

Mas, liberdade para quem?

Para todo e qualquer usuário.

É importante notar que quanto mais o usuário opera com um software comercial, quanto mais cria arquivos nesse programa, mais dependente fica dele, e, se desejar substituí-lo, maior se tornará o custo de substituição, o que reforça a dependência.

Por exemplo, imagine alguém que publicou um artigo, um post ou uma poesia por semana em um blog. E que foi guardando todos os arquivos criados em um programa editor de texto, pois sempre os consulta e utiliza. E que, subitamente, esse programa muda de versão. E que os arquivos criados não sejam mais abertos, sob a nova versão do programa.

O que aconteceria? O autor não teria mais acesso a seus próprios textos? Como poderia continuar seus estudos, seu trabalho?

É importante notar que, quanto mais se utiliza um programa, mais a pessoa fica dependente daquele sistema e daquele programa.

Portanto, há uma relação de poder entre o usuário e o fornecedor de software. E o usuário pode até ser criminalizado se decidir romper com esta relação, devido às leis sobre propriedade intelectual.

O movimento iniciado por Stallman para produzir um sistema operacional e programas livres teve e tem como objetivos:

  • empoderar o usuário;
  • resguardar aquelas liberdades que os programadores conheciam antes da imposição das restrições empresariais;
  • romper com a submissão dos usuários a um fornecedor de software.

Foi um evento histórico: em 27 se setembro de 1983, utilizando um e-mail, Stallman anunciou o Projeto GNU, “Gnu is not Unix”, e começou a escrever o sistema, a partir dos utilitários.

Propriedade privada ou intelectual

Antes de começar a ler esta parte, assista o vídeo abaixo, é curtinho, divertido e instrutivo, e lhe introduzirá no universo do Copyrght.

Direitos autorais: para sempre menos um dia

Até a Idade Média havia um enorme controle da divulgação de ideias, pois o número de cópias de cada obra era pequeno e limitado pelo trabalho manual, longo e tedioso , dos copistas, em geral em mosteiros.

Perto de 1455, as contribuições do inventor alemão Gutemberg para a tecnologia da impressão e tipografia começaram a mudar essa realidade.

A iminente maior democratização da circulação da informação, com os livros impressos, fez com que soberanos se sentissem ameaçados.

Logo concederam aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização de todos os títulos que editassem. Em contrapartida, os editores vigiariam para não fossem editados conteúdos desfavoráveis à ordem vigente, inclusive exercendo censura.

Esse privilégio, portanto, não tinha como objetivo dar qualquer direito ao escritor da obra, mas apenas garantir o monopólio de sua reprodução, daí sobrevindo o termo Copyright, ou seja, o direito de cópia.

Apenas na Revolução Francesa foi reconhecido o direito do autor sobre a sua criação. Em 1777 foi estabelecida uma distinção na natureza jurídica entre autor e editor: ao “trabalho intelectual” do primeiro foi dado o privilégio de “propriedade intelectual”, ao passo que o privilégio do editor foi uma “liberalidade”.

Até a virada do século XIX para o XX as leis referiam-se apenas à reprodução de textos em papel e a material impresso, já que havia preocupação em regular o uso de um único tipo de máquina, a impressora.

No entanto, por volta de 1900, para garantir lucros com as novas tecnologias que estavam surgindo, o Copyright foi ampliado de modo que abrangesse quaisquer obras, independentemente do meio físico em que eram distribuídas. Assim, foram desenvolvidas regras de direitos de cópia específicas para cada novo meio: filmes, fotos, discos e rádio.

Aqui é importante considerar outro tema: propriedade, algo que é muito bem definido juridicamente.

Note-se que alguém que ganhou/comprou algo está garantindo para si a utilização de um bem. Por exemplo, se alguém possui uma caneta, a propriedade privada desse objeto garante ao dono o acesso a ele quando bem entender e o seu uso da forma que desejar, inclusive de poder vendê-la, doá-la ou emprestá-la. Atenção especial deve ser dada à exclusividade de uso que muito interessa ao proprietário, pois, se a caneta for compartilhada com alguém, no momento em que a segunda pessoa a estiver usando, a primeira estaria privada do uso.

Evidentemente essa descrição aplica-se para os bens materiais, especialmente os bens de uso.

Há muito tempo sabe-se que a propriedade intelectual é bastante diferente. Por exemplo, uma ideia só pode ser possuída se não for divulgada. E, quando o é, a ideia passa a pertencer a todos que a entenderam. E o mais interessante é que, mesmo então, a pessoa que a formulou nada perde com isso. Aliás, em geral acontece o contrário, quanto mais pessoas conhecerem seus textos, sua arte, sua música, maior será a boa reputação que o autor ganhará na sociedade.

É importante notar que o uso compartilhado de ideias, de bens imateriais é simultâneo.

Um escritor ou um compositor não produz sua obra para o seu próprio deleite; quanto maior for o número de pessoas que tomarem conhecimento de suas criações, mais o autor terá seu talento reconhecido.

Portanto, canções, poemas, invenções e ideias não têm a mesma natureza dos objetos materiais. Efetivamente, cultura não é (era) mercadoria.

Exatamente porque as ideias têm essa característica de, uma vez expressas, poderem ser assimiladas por todos que as recebem, surgiu o conceito de que deveriam ser protegidas de alguma maneira, para que seus criadores não ficassem desestimulados em criá-las e expressá-las.

Foi proposto que aquele que cria a ideia deve ter direito sobre ela, de modo que quando outra pessoa a utilize ou a receba, o autor tenha uma recompensa material. Ou seja, o direito autoral concedia ao autor um monopólio sobre a exploração comercial de sua obra, de modo que aquele que desejasse ler um livro, usar alguma invenção, ou ouvir uma música teria que pagar ao autor.

monopólio é a exploração, sem concorrência, de um negócio ou indústria, em virtude de um privilégio. No caso de bens intelectuais, este privilégio em geral expressar num período de tempo que garante ao autor ou proprietário da obra ser o único fabricante/vendedor de um livro, música, medicamento, programa, jogo…

Na constituição dos EUA de 1787 já estava prevista a promoção do progresso das ciências e das artes assegurando aos autores e inventores, por um período de tempo limitado, o direito exclusivo aos seus escritos e descobertas, com o objetivo de assegurar a eles a justa recompensa pelo seu esforço e talento. A meta final era a da promoção do bem comum, do incentivo à criação e disseminação cultura, das artes e da atividade intelectual em geral, beneficiando toda a sociedade.

Evidentemente, se a duração do direito ao monopólio for longa demais, pode-se dificultar o aproveitamento social da criação.

Portanto, era necessário alcançar um ponto de equilíbrio entre o estímulo à criação e o interesse social em usufruir o resultado da criação.

Em 1710, a primeira lei inglesa sobre direitos autorais deu ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos, com direito a renovação por mais 14 anos, desde que o autor estivesse vivo quando o período inicial expirasse.

Curioso é notar que as práticas da “propriedade intelectual” são em certo sentido contrárias ao espírito original do capitalismo concorrencial. Enquanto o capitalismo dos primórdios pressupunha concorrência, as patentes, a propriedade intelectual, o direito de cópia ou marcas, são monopólios garantidos pelo Estado. Os primeiros por um período de tempo determinado e as marcas por um período indeterminado.

Exploração comercial monopolista pelas distribuidoras

É comum pensarmos que quando a propriedade intelectual foi concebida, sua finalidade era conceder ao autor os ganhos exclusivos sobre a exploração de cópias da obra, sem concorrência.

Entretanto, os autores poderiam mesmo auferir lucro?

Seria muito difícil, com raras exceções. Pois, diferentemente do trabalho manual que modifica a matéria prima, e produz alterações nos objetos, aumentando seu “valor de uso”, o trabalho intelectual não possui necessariamente “valor de uso” vinculado a um objeto que possa ser vendido, já que as ideias não são materiais.

E, se uma ideia for reproduzida verbalmente, não terá “valor de troca”, por maior que seja o seu “valor de uso”, pois não está limitada à produção de um meio material. Isso só acontece se a ideia for copiada em algum meio material, como o papel, por exemplo. Assim, um escritor só poderá explorar plenamente sua obra se também se tornar um editor e confeccionar um objeto vendável, como um livro ou um CD. Ou seja, teria que possuir uma editora, com todos os seus equipamentos e funcionários. Evidentemente, a quase totalidade dos escritores não quer assumir esse papel e nem tem condições para tal.

Entretanto, a compra de uma obra intelectual implica na aquisição conjunta de um bem e de serviços, ou seja, um meio material (por exemplo: o papel) sob o qual é realizado um serviço (a cópia). Após a invenção da imprensa, houve grande diminuição de custos dos serviços de cópia, o que obrigou os autores a alienarem seu “trabalho intelectual” aos editores, os detentores dos meios de produção que, em contrapartida, exigiram dos autores a concessão do monopólio da distribuição das obras.

Assim, embora o “trabalho intelectual” tenha um grande “valor de uso” em qualquer sociedade, seu “valor de troca” será sempre determinado por um produto (exemplos: o livro, o CD) em que estão embutidos serviços (exemplos: cópia manual, cópia impressa).

O que fizeram os autores ao longo da história? Alienarem seu “trabalho intelectual” aos editores, os detentores dos meios de produção que, em contrapartida, exigiram dos autores a concessão do monopólio da distribuição das obras.

O autor acabou cedendo seus direitos de exploração, sem concorrência, sendo obrigado a dividir os lucros de sua criação. Nessa relação, o elo fraco é exatamente o autor, já que a distribuição de livros, discos e outros produtos sempre foi relativamente cara. É preciso, ainda, considerar ainda que há muitos autores e poucas empresas interessadas.

Portanto, as empresas sempre tiveram muito poder para acertar as condições contratuais e geralmente conseguem uma exorbitante participação nos lucros provenientes da exploração comercial na venda de cópias da obra. Evidentemente, pelo fato do monopólio de exploração comercial ser cedido integralmente para as empresas, não são os autores os que mais se beneficiam. Quem efetivamente lucra são essas distribuidoras, as grandes empresas da indústria cultural.

A cópia doméstica

Uma época áurea para o Copyright, alongou-se por quase 150 anos, entre 1800 e 1940, pois as atividade de ler e imprimir um livro exigiam equipamentos completamente diferentes.

O cenário começou a mudar em 1944, quando as tropas americanas libertaram a cidade de Luxemburgo e lá encontraram uma máquina alemã capaz de gravar som em fitas magnéticas. Esse gravador cassete trazia algo realmente novo: integrava em um único dispositivo a capacidade de audição e de gravação, ou seja, a possibilidade de efetuar cópias.

Os computadores na verdade seguiram esse mesmo caminho. Eles são máquinas que se destinam à cópia. Isto é, permitem que possamos copiar qualquer tipo de arquivo digitalizado, independentemente de sua natureza, sejam eles textos, imagens animadas ou não, sons, vídeos, planilhas…

O estabelecimento da Internet possibilitou algo que não existia antes do século XX, os diversos meios de gravação atualmente são possíveis em um único meio. E a distância física desses conteúdos deixou de ser importante.

Com a utilização de computadores, as funções de publicação, divulgação e distribuição de obras intelectuais, que geralmente eram realizadas por editoras, produtoras e gravadoras, puderam ser realizadas pelo próprio autor em páginas pessoais. E de maneira mais rápida e menos burocrática.

Assim, qualquer pessoa que possua um computador conectado à Internet pode ter acesso a livros, músicas, filmes e programas produzidos por autores em qualquer lugar do planeta e em muito pouco tempo pode copiar uma obra para seu computador. Isso acontece a um custo bastante baixo, já que

  • o próprio usuário localiza a obra desejada e realiza a cópia;
  • o sistema de cópia é eficiente, produzindo exemplares com boa qualidade;
  • o custo de reprodução de coleções de livros e músicas tornou-se praticamente insignificante, permitindo que qualquer pessoa possua uma grande biblioteca/discoteca pessoal em formato digital;
  • o meio material que hospeda a obra é um dispositivo de armazenamento magnético (disco rígido, pendrive) ou ótico (CDs, DVDs), que ficaram cada vez mais baratos.

Aparentemente, as indústrias que se servem do Copyright não acompanharam a evolução da tecnologia e seu modelo de negócios, baseado em uma produção monopolista e venda de cópias, tornou-se insustentável.

Qual a saída encontrada por elas? Separar a simples utilização do processo de gravação: para garantir os seus lucros ao vender cópias, passaram a pressionar por leis que definissem como criminosa qualquer atitude que produza essas mesmas cópias.

Ora, quem conhece minimamente a história do computador e da Internet sabe que essa política é o pior dos pesadelos. Afinal, o que mais é a Internet senão um sistema que permite cópias?

Interessante é notar que as cópias não legítimas aparentemente afetam pouco a indústria. É só lembrar que o próprio sistema operacional Windows, pertencente à poderosa MicroSoft, continua sendo, de longe, o mais utilizado e comprado em todo o mundo, embora também seja o que tem maior número de cópias domésticas.

E é claro que tudo isso não significa a eliminação de editoras, produtoras e gravadoras. Basta notar que a digitalização de obras intelectuais não aboliu a impressão/ gravação de livros e discos. Por exemplo, livros que já se encontram sob domínio público continuam sendo impressos embora sejam encontrados facilmente na Internet. As editoras continuam imprimindo-os, inclusive em edições ilustradas e luxuosas.

É importante lembrar que Domínio público é o conjunto de obras culturais, de tecnologia ou de informação (livros, artigos, obras musicais, programas computacionais, invenções e outros) com livre uso comercial, pois não estão submetidas a direitos patrimoniais exclusivos de alguma pessoa física ou jurídica, ou seja não são mais propriedade de ninguém. Ou seja, a obra entra para o conjunto de conhecimentos da humanidade, como sempre aconteceu, antes desse tipo de legislação ser aprovada.

Portanto, aparentemente, quem copia um arquivo não é necessariamente alguém que compraria aquele filme, vídeo ou música no varejo se não pudesse copiá-lo na Internet. E sempre haverá pessoas interessadas em adquirir as cópias, por comodidade ou por capricho.

Assim, o pioneirismo na exploração de uma ideia garante vantagem em relação à concorrência. Isso fica muito claro quando uma invenção é comercializada. Rapidamente é copiada por empresas concorrentes. Portanto, não são as patentes que garantem os lucros das empresas, mas o pioneirismo.

Contra a cópia doméstica

As indústrias distribuidoras de dispositivos de armazenamento, tais como fitas cassete e CDs sempre tentaram obstruir a difusão de tecnologias de gravação doméstica. E sempre usaram políticos para aprovar leis que as beneficiassem.

Nada, entretanto, é comparável  às medidas internacionais que a Associação da Indústria Discográfica Norte-americana (RIAA), a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a Motion Picture Association of America (MPAA), a entidade que defende os interesses dos maiores estúdios produtores de filmes dos EUA propuseram em 2008 ao G8 (o então grupo do países mais desenvolvidos e Rússia).
O grupo apoiou desde aquele ano o estabelecimento do ACTA – “Anti-Counterfeiting Trade Agreement”, um Tratado de Comércio Anti Pirataria, negociado sigilosamente entre vários países nos últimos anos.

Se cumprido ao pé da letra, promoveria a existência de um Estado policial digital que deveria obrigar todos os países a tomar severas medidas para coibir ou restringir o uso de equipamentos, formatos de arquivos ou procedimentos que são habitualmente realizados por milhões de pessoas ao redor do planeta, atacando fortemente as liberdades.

O objetivo do ACTA (assinado por 32 países a partir de 2011 mas ainda não em vigor por falta de ratificação) é proteger a propriedade intelectual e exigir que provedores de Internet exercessem vigilância cerrada sobre seus assinantes, ignorando as liberdades individuais, o direito à privacidade e a neutralidade da rede.

Tais medidas dividem-se em três grandes grupos:

  • Alfândegas – funcionários de alfândegas revistariam aparelhos eletrônicos tais como celulares e notebooks em busca de violações de direitos autorais. Se encontrado algum indício o aparelho poderia ser confiscado ou destruído e o portador seria multado.
  • Cooperação dos Provedores – os provedores de serviços à internet deveriam ser obrigados a fornecer informações de seus clientes às autoridades, mesmo sem mandato ou aval da justiça.
  • Entidades de Fiscalização – previa-se a criação de uma agência que implementaria medidas para fiscalizar e regulamentar as medidas que seriam tomadas.

É importante lembrar que há outras exigências que incluiriam até a permissão para que autoridades judiciais pudessem dar continuidade a processos sem, sequer, identificar os processados.

No Brasil, um projeto de lei de 2009, do então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), apelidado de “AI- 5 Digital”, pretendeu criminalizar práticas cotidianas na Internet, tornar suspeitas as redes P2P (peer-to-peer) e impedir a existência de redes abertas. Ainda mais: objetivava criminalizar o acesso a sistemas informatizados e dispositivos de comunicação sem a autorização do titular da rede.

A proposta representou um salto de qualidade: não se tratava mais de criminalizar a pirataria, que copia em série para posterior venda, mas de impedir até uma cópia única e seu compartilhamento sem objetivos comerciais. Assim, mesmo um consumidor que tivesse adquirido um produto original não poderia fazer uma cópia para backup ou para uso pessoal.

Após grande mobilização social, o projeto foi derrotado. A luta foi o estopim da discussão que originou o Marco Civil da Internet, com o objetivo de resguardar os direitos de cada cidadão, a sua liberdade de expressão e o seu acesso ao conhecimento.

(na segunda parte do ensaio será apresentada a estratégia dos grandes grupos para garantir o máximo lucro para si e o que está em jogo nos projetos do Software Livre em contraposição ao das corporações)

Por Fátima Conti  |

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Publicado Originalmente no Outras Palavras Comunicação Compartilhada e Pós-capitalismo

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Mas afinal o que é Software Livre???!!!

Software livre, segundo a definição criada pela Free Software Foundation é qualquer programa de computador que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribuído com algumas restrições. A liberdade de tais diretrizes é central ao conceito, o qual se opõe ao conceito de software proprietário, mas não ao software que é vendido almejando lucro (software comercial). A maneira usual de distribuição de software livre é anexar a este uma licença de software livre, e tornar o código fonte do programa disponível.

Acima uma animação em massinha, uma excelente definição sobre Software Livre!

 

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